A cidade mais alta de Portugal, acolheu a 4ª edição do seu Festival de Blues, nos dias 31 de Julho a 03 de Agosto, num formato que privilegiou os espaços emblemáticos da cidade.
A Associação BB Blues Portugal, que este ano apoiou diretamente o evento, esteve lá e deixa aqui o testemunho, de tudo o que se passou nos oito concertos, marcados pela forte promoção dos projetos nacionais:
Fast Eddie Nelson (PT)
Largo João de Almeida (31/07/2019)
O Festival abriu da melhor forma com a voz imponente de Fast Eddie Nelson.
Os primeiros acordes trouxeram, de uma forma simbólica, o tema próprio “My Country Has Got The Blues”.
Nelson apresentou-se em formato One Man Band, tocando e cantando um misto de temas próprios e versões personalizadas de clássicos de Howling Wolf, Robert Johnson, Ledbeally, Lousiana Red, Muddy Waters, John Lee Hooker e Elmore James.
O cenário exigiu do músico uma grande mestria, uma vez que o trânsito intenso que se fazia sentir tornou-se parte integrante do concerto, assim como as interações dos transeuntes. Tudo isto resolveu com o sentido de humor que se lhe reconhece.
À medida que desenrolava os temas foi ganhando o público, que se deixou enfeitiçar pelas melodias e pela força da sua voz
Terminou em encore com “The Sky Is Crying”,e pode-se se dizer que se o céu chorasse naquele momento seria para rogar a continuação do concerto.
The Cyborgs (IT)
Jardim José de Lemos (31/07/2019)
Para o final do primeiro dia estava reservada uma bela surpresa para o palco principal
De Itália veio o duo The Cyborgs, com o seu conceito estético característico com máscaras tipo soldadura.
Quem esperava um concerto monótono não poderia estar mais enganado.
Com grande dinâmica, apresentaram os temas próprios da sua discografia, em especial do último álbum Generation X (2018).
Moveram-se por terrenos alternativos do blues, boogie e até em certa medida punk.
The Cyborgs são Cyborg 1 na bateria e teclas (incluindo baixo) e Cyborg 0 na guitarra e voz. Chamam-se assim numa alusão ao código binário, 0 e 1, início e fim.
Não deixaram ninguém indiferente, sobretudo quando saíram de palco e recrutaram um Cyborg 2 que com eles improvisou. Envolveram, simbolicamente, todos aqueles que estavam no Jardim José de Lemos.
Esta interatividade, que só o blues pode proporcionar, foi o melhor cartão de visita a encerrar o primeiro dia de festival.
The Smokestackers
Rua do Comércio (01/08/2019)
A iniciar o segundo dia de festival, um concerto delicioso por parte dos já conhecidos The Smokestackers.
A guitarra e voz suave e melodiosa de João Belchior, temperados com o slide felino e insinuante de Diogo Mão de Ferro, fizeram daquele fim de tarde um dos mais belos postais ilustrados da Guarda e da sua Rua do Comércio sob a vigilância imponente da Sé Catedral.
Enquanto preparam a edição do seu primeiro disco, trouxeram clássicos como “Walking Blues”, “Hard Times Killing Floor”, “Sitting On The Top Of The World”, e misturaram-nos com versões de temas mais recentes de Keb Mo’ e Derek Trucks. Tudo com muito bom gosto e de uma forma harmoniosa. Em especial a versão de Diving Duck Blues de Taj Mahal do seu Álbum Taj Mo’ com Keb Mo’.
Mais para o final trouxeram a mensagem de Muddy Watters “I’m Ready” e, de facto, eles estão Ready, ready as anybody can be.
Lone Lisbonaires (PT)
Jardim José de Lemos (01/08/2019)
A encerrar a segunda noite do festival, o conceito mais alterativo. Os Lone Lisbonaires, trouxeram o cheiro de Lisboa até à Guarda e fizeram um concerto fora da caixa.
Cantando temas próprios, em especial do último álbum “Varina Voodoo”, deram palco à lingua portuguesa e a uma fusão muito própria das expressões mais rudimentares do blues e do folk, filtradas pela lente lisboeta, que só o tejo e a luz alfacinha do fim de tarde podem proporcionar.
Um concerto com muita energia e entrega dos Lone Lisbonaires que se apresentaram com: Moorish Boy(voz, guitarra e foot drum), Spranger P.(harmónica), John Klima(baixo) e a surpreendente Larissa Conforto na bateria.
Pigball
Alameda de Santo André (02/08/2019)
Infelizmente, por questões logísticas, não nos foi possível assistir ao concerto dos Pigball.
Banda oriunda dos arredores de Lisboa, deu um concerto cativante e bastante envolvente, segundo conseguimos apurar junto de quem assistiu, mostrando uma proposta diferenciadora dentro do cartaz global do Festival.
The Legendary Tigerman
Jardim José de Lemos (02/08/2019)
Paulo Furtado, com o seu alias “The Legendary Tigerman”, fechou a noite de sexta feira.
Nesta penúltima noite do Festival, uma noite mais quente e convidativa do que as anteriores, gerou-se uma maior manifestação de publico que, de acordo com a Organização, registou a maior afluência de sempre desde que este festival foi ativado.
Tigerman não desiludiu e, como o próprio confessou em palco, “já tinha saudades de voltar a este formato”. Apresentou-se despojado da sua banda mais recente, onde envereda por sonoridades mais rock, para um muito aguardado regresso às origens e ao estilo que melhor o caracteriza.
O retorno ao Blues, onde Paulo Furtado fundamentou boa parte da sua carreira, foi o mote deste concerto. A solo ou com o cúmplice João Cabrita no saxofone barítono, (Humanos, Cais do Sodré Funk Connection, Dead Combo, entre muitos outros) conseguiu catalisar todo o publico presente num concerto inquietante.
O saxofone, que nos transporta para outras sonoridades como, por exemplo, os inigualáveis Morphine (ou até mesmo para a banda anterior de Mark Sandeman, “Treat her right”, que mergulha de forma mais evidente no Blues), não desilude e integra-se perfeitamente na desconstrução musical em que Tigerman é mestre absoluto.
Temas clássicos de Blues, como por exemplo, de artistas como Big Bill Broonzy , Howling Wolf ou até mesmo de Eddy Cochran são reconstruídos pela guitarra e voz de Tigerman tornando-se irreconhecíveis, divergem do original, mas simultaneamente renascem sob a assinatura inconfundível de Paulo Furtado.
No seu estilo “híbrido” como o próprio se confessou, o Blues de Tigerman ouviu-se e confundiu-se na noite egitaniense. Muito focado no seu album “Femina” o concerto decorreu eclético, passando por fases mais irreverentes, mas também pelo lado intimo da musica de Furtado, onde ninguém fica alheado.
Paulo Furtado é um camaleão que manipula e envolve e que, sem nunca recorrer a solos de guitarra, pedra basilar do Blues, se auto intitula “Bluesman” como toda a propriedade e direito.
Hearts and Bones
Anfiteatro do Solar do Vinho da Beira Interior (03/08/2019)
Experientes nestes ambientes, Hearts and Bones foram fiéis a si próprios, e garantiram um concerto de Blues puro e, inquestionavelmente, tornaram o momento único e íntimo.
Num set totalmente acústico, a guitarra de Luís Ferreira marcou o espaço e o tempo, transportando-nos de imediato para o “front porch” de uma pequena casa de madeira situado no delta do Mississipi. A voz de Petra selou este desígnio e adicionou a profundidade necessária para completar esta viagem ao passado.
Passando por personalidades várias, desde Memphis Minnie a Robert Johnson, entre vozes femininas e masculinas de vários períodos, Hearts and Bones não precisaram de afirmar a sua atuação, cativando-nos pela sua sensibilidade e conhecimento deste género musical, apresentando uma proposta musical que é única neste país.
Foi o ambiente sonoro perfeito para a prova de vinhos que coexistiu no espaço onde este concerto foi realizado (Comissão Vitivinícola da Beira Interior) cujos vapores de álcool se confundiram e fundiram com esta proposta blues de excelência.
Um concerto inebriante, será a forma mais discreta de caracterizar esta tarde que se viveu na Guarda, sob um sol intenso e quente que convidava a provar, repetidamente, as várias propostas do vinho produzido na região.
The Moonshiners
The Moonshiners (não confundir com a banda de Sintra, com origem em 1997 que exploraram o universo Blues e Jazz, e que, segundo sabemos, ainda existem) foram a banda selecionada para encerrar o cartaz do Festival de Blues da Guarda.
Com menor afluência do que a noite anterior, mas ainda com um muito bem composto público, iniciaram a sua atuação na Jardim José de Lemos, palco principal deste evento.
Marcaram uma atuação periférica ao ambiente Blues, num registo mais perto da pop, com algumas aproximações que demoraram a cativar a audiência. A irreverência da sua juventude pontuou este concerto, mas de forma por vezes desconcertante e que se provou não ser a melhor estratégia para envolver de forma imediata a massa humana à sua frente. Contudo, mais próximo do fim do concerto, houve manifestações de apoio e aplauso que sublinharam a aceitação desta banda neste espaço nobre da cidade, cumprindo-se assim o objetivo da noite.
As aproximações ao Blues deram-se na forma de alguns clássicos, como por exemplo “Got my Mojo Working” de Muddy Waters, desconstruido e refeito, onde conseguiram reciprocidade ao colocarem o público a cantar o refrão de forma interactiva. Outro bom exemplo foi uma interpretação de Johnny Cash, que também obteve uma ovação genuína.
The Moonshiners criaram e viveram a sua própria esfera neste universo que se materializou na Guarda. A noite termina com o público mais próximo do palco a dançar e a exigir encore.
Balanço
O festival de Blues da Guarda, termina a sua quarta edição com muito sucesso e com a convicção de que pode crescer muito e bem.
É um festival diferenciado com grande interação com a cidade, dedicado quase em exclusivo a bandas nacionais.
Esperamos com muito interesse a próxima edição.